Sobre o Movimento LGBT

Oi pessoal! 
Um dos movimentos sociais que mais se destaca na questão da luta por reconhecimento de seus diretos como cidadãos é o movimento LGBT.
Novamente trago a temática  da luta pelos direitos que todo cidadão tem, na entrevista de hoje as perguntas foram direcionadas ao militante do movimento LGBT e do coletivo de juventude Juntos, Rodrigo Manfredini. 

Para ver as postagens anteriores dessa série de entrevistas sobre movimentos sociais:
Clik>> Sobre Movimentos Sociais
Clik>> Sobre o Movimento feminista
Clik>> Sobre o Movimento Negro
O Entrevistado de hoje é Cicero Rodrigo Alves Dias.
A entrevista tem um total de 14 perguntas em postagem única.

Recortes Diversos (RD): O que é o movimento LGBT e o que ele busca?

Rodrigo Manfredini: Em síntese, o movimento LGBT é um movimento social que luta contra o processo de marginalização e violência histórica para com lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e demais variantes de orientação sexual (atração afetivo-sexual – por quem se sente atraído) e identidade de gênero (autoafirmação de gênero – como se reconhece). Acontece que há uma norma, ou melhor, há um padrão construído cultural e socialmente que diz que o “natural”, o “correto”, o “normal” é a heterossexualidade (atração afetivo-sexual pelo gênero oposto) e a cis-gêneridade (adequação à identidade de gênero atribuída à sua disposição genital ao nascer). Sendo assim, tudo aquilo que não corresponder a esse padrão tende a ser marginalizado, tido como “não-natural”, “perversão” e “anormal”. Logo, o movimento LGBT surge como movimento de enfrentamento a essa perspectiva, que dá suporte às mais variadas formas de violência, seja simbólica, física ou verbal. Hoje se costuma adicionar o sinal de + junto à sigla LGBT, ou seja, LGBT+, como modo de contemplar as muitas variações de orientação sexual e identidade gênero mapeadas. É importante ressaltar que o movimento LGBT não é um todo homogêneo, uma vez que congrega várias identidades, além do que há também diferenças no que diz respeito à perspectiva de como tocar a luta. Eu particularmente, enquanto LGBT, por fazer parte de um coletivo de juventude anticapitalista (o Juntos!), costumo pautar a luta sob uma ótica necessariamente anticapitalista, demarcando a importância de combate à LGBTfobia indissociada da construção de outra organização social (sem machismo, racimos e qualquer forma de opressão), estando atento e combatendo principalmente aos processos de apropriação das pautas LGBTs pelo capital no intuito exclusivo de criar nichos mercadológicos.

Recortes Diversos (RD): Quando e como se teve inicio ao movimento LGBT no Brasil?

Rodrigo Manfredini: Segundo a professora Regina Facchini, do departamento de Ciências Sociais da Unicamp, o movimento LGBT organizadamente teve início no Brasil no final da década de 70. O “Somos – Grupo de Afirmação Homossexual”, de São Paulo, é considera o primeiro grupo organizado que lutava em favor dos direitos LGBT.

Recortes Diversos (RD): Qual o real impacto que o movimento LGBT quer causar na sociedade?

Rodrigo Manfredini: Impacto é uma palavra utilizada quase sempre pra expressar o teor negativo de alguma ação ou situação. Então, diria melhor que o movimento LGBT tem pretensões ou objetivos. Assim, considero que a pretensão central do movimento LGBT, pelo menos o qual reivindico, é a desnaturalização da heterossexualidade e da cis-generidade enquanto manifestações de gênero e sexualidade humanas autênticas, porque isso implica consequentemente na propagação de discursos e práticas que violentam LGBTs diariamente por não corresponderem à norma. Em termos mais fáceis de serem compreendidos, pretendemos fazer com que as pessoas entendam (e fiquem INDIGNADAS também) que a cada 27 horas uma pessoa LGBT é brutalmente assassinada no Brasil por ser LGBT, que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, que a média de vida de uma pessoa transexual não chega nem a 35 anos (enquanto a média brasileira chega a quase 70), que grande parte das pessoas transexuais estão na prostituição por serem rechaçadas pelo mercado formal, além de inúmeras outras evidências concretas do nosso dia a dia. Logo, a pretensão é fazer com que as pessoas entendam que tudo isso decorre da “aceitação” e propagação dos discursos que colocam LGBTs como “anormalidades”, “pervertidos” e “antinaturais”.

Recortes Diversos (RD): Pra você uma pessoa nasce ou se torna LGBT?

Rodrigo Manfredini: Esta é uma das questões mais complicadas e complexas de se responder. Há esforços, principalmente no campo da biologia, que procuram dar conta de alguma explicação sobre qual a origem da homossexualidade e da transexualidade, por exemplo. Entretanto essas tentativas de dar conta da realidade parecem está longe de darem algum parecer definitivo sobre tais questões, já que são permeadas por toda uma complexidade que pode dificultar tais apontamentos. Apesar disso, podemos fazer algumas observações e considerações. Antes de qualquer abordagem, precisamos entender que as orientações sexuais e as identidades de gênero postas em questão nesse caso sempre são as que não correspondem à cis-hetenormatividade. Assim, para nós, uma premissa importante de ser colocada é que a homossexualidade (e outras orientações) e a transexualidade (e outras identidades) são variações da orientação sexual e da identidade de gênero humanas assim como a heterossexualidade e a cis-generidade. Logo, a questão maior não deve tratar-se de saber se “se nasce” ou “se torna”, uma vez que se a verdade (quem ainda não sabemos de fato) for que “se nasce LGBT” assim também será para heterossexualidade, do mesmo modo se alguém “se torna LGBT” os heterossexuais também se tornam heterossexuais.

Recortes Diversos (RD): Você acha que o movimento já tem alguma conquista gloriosa aqui no Brasil?

Rodrigo Manfredini: Desde que surgiu o movimento vem acumulando conquistas. Uma das primeiras vitórias adveio com a campanha nacional iniciada em 1981, impulsionada pelo Grupo Gay da Bahia, para que o Conselho Federal de Medicina retirasse a homossexualidade da lista de doenças. Essa vitória veio em 1985, cinco anos antes da Organização Mundial da Saúde fazer o mesmo. O processo de redesignação sexual (conhecido como “mudança de sexo”) para pessoas transgêneros passou a ser permitido a partir de 2002, pelo Conselho Federal de Medicina e desde de 2008 passou a ser oferecido pelo sistema de saúde pública. Outros ganhos mais recentes são o reconhecimento, por parte do Supremo Tribunal Federal em 2011, da união estável entre pessoas do mesmo sexo e, em 2013, o direito ao casamento civil assim como a conversão das uniões estáveis em casamentos, através do Conselho Nacional de Justiça. A conquista da utilização do nome social por travestis e transexuais vem tendo ganhos ao longo dos últimos anos, como destaque para o reconhecimento de tal direito pelo ENEM, a partir de 2013 e, a partir de janeiro de 2018, a autorização do Ministério da Educação para que seja reconhecidos os nomes sociais na educação básica. Vale ressaltar que tratamos disso como “concessão” das instituições apenas sob perspectiva formal, uma vez que é fruto objetivamente de muita luta das LGBTs. Além do que, precisamos exigir que essas conquistas sejam incluídas efetivamente na legislação nacional, para que sejam resguardadas.

Recortes Diversos (RD): É verdade que um homossexual não consegue manter relações estáveis?

Rodrigo Manfredini: Se estiveres falando daquilo que também denominam de “promiscuidade”, ressalto que é importantíssimo combatermos essa visão unilateral e taxativa sobre LGBTs. Essa construção social dar-se nos contextos de uma concepção moral religiosa rígida, mas é preciso demarcar que a rigidez só é manifesta para com pessoas LGBTs, uma vez que o rechaço não acontece quando tal prática é protagonizada por pessoas heterossexuais, principalmente quando se trata de homens. Falando sobre a prática em si, que grosso modo pode ser tida como “não ter parceiro(a) fixo(a)” ou “ter vários(as) parceiros(as)”, precisamos tentar fazer o esforço de considerar quando a escolha individual entra em cena, isto é, quando uma pessoa decide “não ter parceiro(a) fixo(a)” ou até mesmo “ter vários(as) parceiro(as)”, em que ela detém o poder de decisão sobre o seu corpo, seus desejos e suas vontades e, quando se tratando de “vínculos mais duradouros”, que seja responsavelmente consensuado entre as pessoas envolvidas.

Recortes Diversos (RD): É verdade que no próprio meio LGBT tem preconceito contras as travestis?

Rodrigo Manfredini: A comunidade LGBT num sentido amplo não é um todo homogêneo. Pode congregar pessoas das mais variadas classes sociais, raças e etnias, assim como abriga as mais diversas identidades, o que de nenhum modo deve justificar a existência de preconceito contra as travestis. Entretanto, não podemos também considerar a comunidade LGBT como algo alheio à sociedade na qual está inserida, de modo que podemos notar sim a reprodução de práticas transfóbicas dentro do próprio meio, assim como de práticas lesbofóbicas, bifóbicas ou homofóbicas, como reflexo da LGBTfobia estrutural e sistêmica. Diante disso, nossa tarefa é combater diariamente a reprodução dessas práticas dentro do meio e movimento LGBT e na sociedade como um todo.

Recortes Diversos (RD): O que é Transfobia?

Rodrigo Manfredini: Denominamos de transfobia práticas e discursos que propagam aversão às pessoas travestis, transexuais e transgênros e que assim dão suporte à permanência dessas pessoas às margens da sociedade, sem o reconhecimento de direitos básicos como o direito à própria vida. Sempre que oportuno, precisamos deixar explícito que a transfobia não é algo a-histórico ou natural, mas sim uma construção cultural e social decorrente das normas e valores morais entranhados nas diversas organizações sociais.

Recortes Diversos (RD): Como se sente ao saber que ainda em muitos países é crime ser homossexual?

Rodrigo Manfredini: Muito triste. Um dos casos mais emblemáticos é o da Uganda, país onde ser LGBT é considerado crime. Entretanto, precisamos também reconhecer e dar visibilidade à luta e à resistência das LGBTs de lá. Desde agosto de 2017, um grupo de LGBTs da Uganda estão protagonizando a produção de um álbum de músicas pela descriminalização de suas identidades e de suas vidas, denominado “Rainbow Riots”. O grupo carrega o seguinte dizer: “In Uganda it’s illegal and dangerous to be LGBTQ. It’s time for a change”, tradução “Em Uganda é ilegal e perigoso ser LGBTQ. É hora de mudar”.

Recortes Diversos (RD): Você acha importante a discussão de gênero nas escolas?

Rodrigo Manfredini: Mais que necessário. Nos últimos tempos, principalmente durante o ano de 2017, fomos surpreendidos com a circulação de projetos de leis nas câmaras municipais das diversas regiões do país sob o julgo do combate a uma pretensa “ideologia de gênero” nas escolas. No nosso entendimento esse é um contra-movimento impulsionado por setores conservadores da nossa sociedade diante dos avanços nas políticas públicas para mulheres e LGBTs, que contestam o papel de subalternidade relegado a esses grupos ao longo da história. A distribuição dos kits anti-homofobia (enquanto um manual de formação) aos professores da educação básica era um possível avanço recentemente interrompido pelo veto da ex-presidenta Dilma Rousseff, por pressões da bancada evangélica do Congresso Nacional em troca de uma fajuta governabilidade. Voltando ao difundido combate à tal “ideologia de gênero”, nós fazemos a contraposição dizendo que se há nas escolas uma “ideologia que produz gênero” essa ideologia é a cis-heteronormativa, por exemplo, quando é posto que há brinquedos somente de meninos e brinquedos somente de meninas e etc. Nesse sentido, a escola deve ser um dos espaços centrais no processo de desconstrução dessa normatividade que apregoa desigualdades, tendo como horizonte o respeito às diversidades.

Recortes Diversos (RD): O que você acha da “cura gay”?

Rodrigo Manfredini: A narrativa que propaga a tal “cura gay” parte do pressuposto de que a homossexualidade seja uma doença e assim careça de cura. Entretanto, nossa posição é direta, como dita anteriormente: a homossexualidade é mais uma variação da sexualidade humana e ponto. Inclusive tal constatação já foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na década de noventa, quando retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. Apesar de disso, nossa luta não deve parar por aí, pois precisamos exigir que a transexualidade também deixe de ser considerada uma doença mental pelo Código Internacional e Doenças (CID).

Recortes Diversos (RD): Um filme ou livro que todo mundo deveria ver/ler para entender melhor sobre o movimento?

Rodrigo Manfredini: Indico o documentário “A Revolta de Stonewall”, disponível no YouTube. A Revolta de Stonewall é considerado um marco importantíssimo pro movimento LGBT do mundo todo. Tal acontecimento é reconhecido como o primeiro registro de um levante de LGBTs contra as rotineiras ações repreensivas da polícia. Naquela madrugada de 28 de junho de 1969, quando a polícia resolveu invadir o bar Stonewall In, nos Estados Unidos, centenas de LGBTs se revoltam contra as ações abusivas e agressões físicas por parte dos policiais e insurgem com um movimento de autodefesa. Na noite seguinte aconteceram novos confrontos, quando a polícia novamente decidiu intervir naquela região considera por LGBTs como um refúgio. Tal movimento culminou na organização de uma marcha pela liberdade das e dos LGBTs serem quem são.
O filme “Orações Para Bobby” (disponível no YouTube), também muito bom, é baseado numa história real. Retrata a história de um jovem estadunidense que se descobre gay e que ao fazer tal revelação para sua família passa a sofrer com o peso do discurso religioso, principalmente por parte de sua mãe.
“Bichas, o documentário”, disponível no YouTube, é longa brasileiro protagonizado por bichas pernambucanas que falam sobre vivências e autoafirmação.
Também sugiro o documentário “Laerte-se”, produzido pela NetFlix, que conta um pouco sobre o processo de autoaceitação, como mulher transexual, da cartunista brasileira Laerte Coutinho.

Recortes Diversos (RD): Você tem alguma religião e o que acha da bíblia?

Rodrigo Manfredini: Não professo nenhuma religião e sou agnóstico. Respeito e defendo o direito garantido constitucionalmente de liberdade de crença a todo e qualquer cidadão, entretanto, precisamos ficar atentos aos processos de construção de bancadas religiosas nos parlamentos, principalmente por parte dos evangélicos, que querem ditar as leis civis a partir de suas crenças e valores religiosos. Sobre a bíblia, na minha concepção é um documento histórico reflexo do tempo e do modo como se organizava socialmente o lugar onde ele foi escrito.

Recortes Diversos (RD): Qual pergunta você gostaria de fazer a um homofóbico? Porque?

Rodrigo Manfredini: Alguma vez na vida você teve que esconder sua orientação sexual ou sua identidade de gênero? Você já pensou na possibilidade não ter acesso a direito civis, como por exemplo direito a casar-se com a pessoa que você desejar, em função da sua orientação sexual ou identidade de gênero? Você já teve medo de ser rejeitado ou violentado por ter a orientação sexual e a identidade de gênero que você tem?

Rodrigo Manfredini 
21 anos
Formação acadêmica: Estudante de filosofia da UFCA.
Militante do movimento Juntos e do movimento LGBT há 3 anos.



"Pelo direito de Ser e Amar, vidas LGBTs importam!" -  Rodrigo Manfredini


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